Há dias fui ver uma peça da companhia de teatro Hotel Europa. Sentada na plateia da Culturgest assisto deliciada a “Amores de Leste”, uma performance de teatro documental que tinha como ponto de partida o apoio dado por parte dos países de Leste, no período da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) aos países da lusofonia que combatiam inimigos comuns: o fascismo e o colonialismo. No palco, eu assistia a uma sobreposição de várias relatos, fruto de testemunhos recolhidos em países como Portugal, Alemanha Eslovénia, República Checa, entre outros. Ao longo de toda a peça os intérpretes em palco contavam as suas histórias e das suas famílias na primeira pessoa.
O André, por exemplo, contava como entusiasticamente fez um inter-rail pelos países de Leste cheio de expetativas em relação à vida destes países então num regime comunista. Enquanto Tereza, da atual República Checa, falava sobre a opressão que sentia em Praga, e de como vivia o seu dia a dia em família. O Jorge, português, e um dos últimos bolseiros na então URSS dá-nos um testemunho do que era ser estudante em São Petersburgo. Um a um vários artistas vão contanto o seu percurso e de como a sua perspetiva sobre o comunismo ia mudando. Dos acontecimentos que iam sucedendo e de como o contexto político influenciava as suas relações amorosas e/ou familiares.
Do lado de cá na plateia eu, e acredito que a generalidade do público, ia rememorando como eu própria vivia aqueles anos (cerca de 1989 -1993) aqui em Portugal, que perceção tinha sobre o que se passava do lado de lá da cortina de ferro, de como eram os meus usos e costumes por contraponto aos relatos que ia ouvindo. À medida que ia recordando as minhas vivências, estas iam sendo transformadas pelos relatos que escutava. Ora porque reiteravam as minhas “certezas”, ora porque desafiavam algumas abrindo espaço para novas aprendizagens. Saí do teatro com novas histórias, com a minha história mais enriquecida, com mais informação sobre acontecimentos passados. Saí do teatro com a sensação de que não só me tinha divertido, como tinha aprendido algo novo através das histórias dos outros.
Mas será mesmo assim? Será que aprendemos (mesmo) com os outros? Será que esta aprendizagem em contexto social é tão efetiva como a aprendizagem no ensino formal? E será que estas aprendizagens se entretecem compondo uma manta bem urdida de saberes no nosso cérebro?
As teorias de aprendizagem podem dar resposta a estas questões. São várias as teorias de aprendizagem desenvolvidas por vários investigadores. Apresentam-se três professores/investigadores e respetivas teorias que podem explicar o sentimento de aprendizagem sentido na minha ida ao teatro.
Lev Vygotsky, professor e psicólogo russo, com trabalho extenso na área das teorias de aprendizagem, sugeriu que o conhecimento é construído através das nossas interações com os outros e é moldado pelas aptidões e atitudes valorizadas numa determinada cultura. Vygotsky refere que tudo o que aprendemos ocorre num contexto social. Desde que nascemos, e ao longo da vida, aprendemos com as nossas interações com os outros e são estas que moldam a nossa compreensão do mundo. Mesmo quando lemos um romance sozinhos (ou vamos ao teatro!), interagimos com o autor, com o contexto social e cultural do romance e, em certo sentido, com outras pessoas que leram o mesmo livro.
Jack Mezirow, professor americano ligado à educação de adultos e à aprendizagem de jovens adultos, pai da teoria da aprendizagem transformativa, descobriu após ter feito estudos sobre mulheres adultas que voltaram à escola, que os adultos não aplicam os “velhos conhecimentos” a novas situações e que ter uma nova perspetiva os ajuda a ganhar uma nova compreensão das coisas à medida que mudam. Desta forma, Mezirow entendia que os estudantes tinham importantes oportunidades de ensino e aprendizagem ligadas às suas experiências passadas e que a reflexão crítica e a revisão poderiam levar a uma transformação da sua compreensão.
Jean Lave e Etienne Wenger desenvolveram a teoria da aprendizagem situada e a comunidade de prática . A teoria da aprendizagem situada revela que não há aprendizagem que não seja situada, e todo o conhecimento e aprendizagem tem uma dimensão relacional sendo aquele sempre negociado. Ou seja, de acordo com a teoria, é dentro das comunidades que a aprendizagem ocorre mais eficazmente. As interações que ocorrem dentro de uma comunidade de prática – por exemplo, cooperação, resolução de problemas, construção de confiança, compreensão e relações – têm o potencial de fomentar o capital social da comunidade que melhora o bem-estar dos membros da comunidade.
E a lista de autores/teorias podia prosseguir, pois são muitas. Mas, após uma breve pesquisa estes três autores e respetivas teorias de aprendizagem deram de alguma forma resposta à minha inquietação. Sim, é verdade que a experiência no teatro não só me proporcionou um serão bem passado, como me permitiu transformar e ampliar conhecimentos. E daqui podemos facilmente extrapolar para a contexto e/ou comunidade de trabalho e as interações aí realizadas.
Ao interagirmos e comunicarmos com colegas de trabalho vamos também trocar informações que, juntamente com o conhecimento que possuímos vamos processar e transformar em novos conhecimentos. Parte do conhecimento relevante para o nosso trabalho é normalmente apreendido na comunidade (laboral, neste caso) pelo processo de socialização. Lave e Wenger (1991), autores mais contemporâneos em relação aos anteriores, acreditam que há uma forte ligação entre a aprendizagem e o trabalho e exploram as relações concretas entre as pessoas, pois acreditam que os trabalhadores assimilam conhecimentos e adquirem aptidões à medida que participam de uma comunidade junto a outros profissionais.
Sugestões de leitura:
Wright, Daniel B., Learning From Others in an Educational Context: Findings From Cognitive Psychology. Journal of Cognitive Education and Psychology, Volume 15, Number 1, 2016.
Gobbo, Francesca. Learning from others, learning with others: The tense encounter between equality and difference. February 2018
Aprender com os outros e num contexto social
https://www.learner.org/series/the-learning-classroom-theory-into-practice/learning-from-others-learning-in-a-social-context/
Teorias de Aprendizagem mais influentes
http://www.ibe.unesco.org/en/geqaf/annexes/technical-notes/most-influential-theories-learning
Teorias da Educação
https://teacherofsci.com/learning-theories-in-education/